domingo, 7 de julho de 2013

A mata

Ele havia dito que aquilo era uma péssima ideia, mas ninguém o ouviu. Pelo contrário, falaram que seria legal, uma viagem àquele vale, conhecer a natureza, lembraram que era uma das últimas reservas de mata nativa daquela região.

Ele tinha argumentos, falou que o lugar não era um parque público, a área era privada, pertencia a alguém, e esse alguém poderia não gostar de visitantes. Mas riram dele, falaram que era muita paranoia, que ninguém iria se importar com um pequeno grupo de jovens que iriam apenas acampar por um fim de semana prolongado, além do que, eles não iriam prejudicar o local, não jogariam lixo, não cortariam as árvores, a fogueira seria bem controlada para não gerar um incêndio.

Depois de muito argumentar, falar, ele acabou cedendo. Não queria ficar longe dela no final de semana, se ela queria ir nessa roubada, então ele iria também, mesmo que contrariado.

Assim começaram os preparativos, afinal eles tinham apenas 3 dias para a viagem. Empréstimos de barracas, colchões e outros apetrechos de camping que não havia em quantidade suficiente para o grupo, vaquinha para comprar mantimentos e bebidas. Parecia que tudo andava rápido. Mas estava faltando algo, que ele fora encarregado de obter, um mapa detalhado da região.

Depois de rodar livrarias e revistarias, não achou nada, parecia que ninguém tinha conseguido fazer um levantamento do local, pelo menos ninguém nos últimos 30 ou 40 anos. Um senhor que aparentava ter uns 60 anos lhe falou que talvez ele encontrasse algumas anotações em jornais antigos, que ele poderia encontrar na biblioteca municipal.

Assim foi ele, a biblioteca parecia um depósito, poucas pessoas visitavam o local, o bibliotecário, já em idade avançada se limitava a ficar no balcão junto à portaria, não andava pelos corredores havia muito tempo, nem mesmo havia funcionários para fazer a limpeza, o pó e o mofo reinavam pelo local, bastava andar alguns metros para o interior da biblioteca e parecia que se estava fazendo uma viagem ao passado remoto.

Ele olhou primeiro a máquina antiga de microfilmes, ficou horas sentado em frente a ela e não encontrou nada. Resignado voltou ao balcão e indagou pelas edições encadernadas dos antigos periódicos locais. Ouviu atentamente a orientação e se aprofundou pelos corredores, até chegar ao local indicado.

Mais horas perdidas em pesquisas, muitos espirros devido ao excesso de pó acumulado, quando ele já estava para desistir acabou encontrando algo que ajudaria. Uma espécie de croqui da região, não era um mapa detalhado, mas com certeza era da reserva florestal, muitos símbolos estavam impressos, setas, marcação de ‘x’, mas o mofo, a umidade e as traças haviam feito um bom serviço nas páginas amareladas, ele não conseguiu ler nada, ou quase nada, naquelas folhas. Parece que havia acontecido algo sério ali, como o periódico era do começo do século anterior, não havia fotos, era apenas o texto borrado e aquele desenho.

Ele pegou o volume com cuidado e levou ao balcão, pedindo para o bibliotecário fazer uma cópia na velha xerox que existia ali. O homem o olhou com uma das sobrancelhas levantadas, como se quisesse adverti-lo sobre algo, mas apenas fungou, pegou o encadernado e fez a cópia, cobrando a taxa habitual. Quando ele foi pegar o volume para devolvê-lo à prateleira, o funcionário fez um sinal mostrando o relógio, já estava na hora de fechar, no dia seguinte a coletânea voltaria a seu lugar.

Naquele último dia antes da viagem, ele passou muito tempo debruçado sobre a cópia do desenho, tentando entender os borrões que o acompanhavam e, também, tentando decorar os detalhes sobre aquela mata. Pareceu que o dia correu rápido, quando ele se deu conta, já era noite, ele comeu algo e foi deitar mais cedo, pois todos queriam sair durante a madrugada para chegar com o raiar do dia à mata, para poderem fazer o acampamento logo e sair para explorar a região.


A viagem foi rápida, menos de duas horas e os carros já estavam parando no acostamento, a cerca de 150 metros do limite das árvores. A decisão que tomaram foi a de sair da estrada, levando os carros até próximo das árvores, onde iriam montar as barracas, assim eles poderiam usar os faróis dos carros caso houvesse alguma necessidade, então eles estavam percorrendo o local para achar uma passagem por onde os carros pudessem ser guiados, sem correrem o risco de os pneus furarem.

Ele aproveitou para olhar a mata, ficou impressionado, parecia que ela era sobrenatural, pois, mesmo com o sol da manhã brilhando, ela tinha muitas sombras. Mesmo assim, ele deu de ombros e voltou sua atenção para a estrada, procurando um terreno firme.

Algum tempo depois as barracas estavam armadas, a divisão foi simples, as duas barracas maiores seriam ocupadas pelos solteiros, uma pelos homens e outra pelas mulheres, as quatro menores seriam dos casais, como ele ainda não formava um casal, ficou na barraca maior. A esperança era que numa próxima vez uma das menores lhe coubesse, bastaria ela ser menos indecisa.

Como o tempo não parava, e eles levaram mais de uma hora para armar acampamento, decidiram que comeriam alguma coisa e depois iriam explorar a mata, alguns dos rapazes foram buscar lenha, galhos secos e palha para arrumar a fogueira que seria acesa à noite, outros foram ver se achavam alguma fonte d’água ou riacho nas proximidades, para pegar água para cozinhar. As garotas ficaram para terminar de arrumar o interior das barracas, ele era o chef da turma, também ficou e foi começar a cortar cebola e outros temperos, além de terminar de arrumar o fogão de campanha que tinha trazido, ele esperava que os três botijões de gás de 1 quilo fossem o suficiente para aqueles dias, afinal, a noite dava para assar pedaços de carne na fogueira, ele poderia economizar o gás.

Pouco depois todos chegaram, um grupo havia trazido a água e o outro a lenha. Enquanto ele arrumava os baldes, separava a água para ferver e a que seria usada para lavar a louça, os demais começavam a limpar o terreno onde a fogueira ficaria, depois disso, começaram a empilhar os galhos e colocar a palha e grama seca nos vãos, para facilitar o fogo, a noite ela seria um grande espetáculo.


Pela posição do sol, a tarde já avançava por volta de 2 da tarde, tudo estava pronto no acampamento, o grupo todo trocou de roupa, vestindo calçados confortáveis e roupas bem coloridas, estavam prontos para andar e conhecer a natureza local.

Como a mata era fechada, eles tiveram alguma dificuldade em encontrar um local para adentrar nela, andaram algum tempo, até que eles acharam um local onde as árvores eram mais espaçadas, por ali eles seguiram. Ainda assim o espaço era apertado, obrigando-os a andar em fila indiana.

Alguns metros depois de entrarem sob as árvores, foi necessário ligar as lanternas, as copas das árvores eram tão fechadas que a luz do sol não conseguia iluminar o local, parecia que eles haviam entrado numa região perdida e esquecida pelo tempo, eles viam apenas os vultos dos troncos, dos quais eles conseguiam desviar, mas os galhos, arbustos e outras vegetações rasteiras eram riscos presentes de tombos e escoriações.

Eles seguiram algum tempo, tateando o escuro, com o auxílio das lanternas, até que algumas pessoas começaram a reclamar do cansaço, da sede (os cantis já estavam secos) e que já era hora de voltarem, nesse momento eles pararam e se deram conta que não haviam trazido consigo uma bússola, nem haviam deixado marcações pelo caminho, eles estavam perdidos.

A tensão foi aumentando, o medo era palpável, choramingos já eram presença entre eles, sem falar nas acusações. Alguém lembrou que os musgos cresciam em árvores sempre na parte sul dos troncos, e eles haviam montado o acampamento numa região a sudoeste da mata. Todos respiraram aliviados e foram olhar com as lanternas os troncos, mas a mata era tão fechada no local que havia musgo quase que rodeando todo o tronco, não importava qual árvore eles olhassem, a situação se repetia.

Sem perceber e em desespero, o grupo foi se afastando, se separando, até que todos estavam isolados, sozinhos naquela imensidão verde. O que eles haviam descoberto era que a vegetação era ótima como isolante acústico, por mais que eles gritassem, não conseguiam ouvir nada, nem mesmo os animais.

Ele não sabia o que fazer, então decidiu que andaria em linha reta (se é que isso fosse possível), em algum momento ele sairia na borda da mata, então ficaria fácil chamar socorro e voltar buscar os outros. Aquela parecia ser a opção mais sóbria, ele esperava que os outros também pensassem assim, senão o que era uma diversão viraria uma tragédia.

Enquanto caminhava, ele se lembrou do mapa, da cópia que havia feito, naquele momento achou que deveria ter feito uma cópia para cada um, que poderia ajudar, mas depois se convenceu que ninguém poderia imaginar que eles se perderiam na mata, procurou se tranquilizar, e seguiu em frente.

Aos poucos ele sentiu que as árvores começaram a se espaçar entre si, pareciam indicar que ele estava chegando na borda da mata, o que deixou-o mais animado, fazendo com que andasse mais rápido. Mas ele estava enganado, em sua decisão de andar em linha reta, ele pegou uma direção que só fazia com que ele mergulhasse ainda mais no centro daquela mata, e ele havia chegado numa clareira onde havia um casebre de paredes escuras, que parecia estar abandonado. Cautelosamente ele foi se aproximando e reparando na construção, que já não parecia tão abandonada assim, as janelas tinham vidros inteiros e cortinas, um pneu estava junto à parede, havia sinais claros de que alguém morava ali. Quando estava a poucos passos da escada que dava acesso à entrada, ele estava concentrado, olhando firme para a porta, então apenas sentiu uma pancada na cabeça e o mundo se apagou numa escuridão intensa.

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