domingo, 15 de setembro de 2013

O sobrevivente

Ele seguia sem rumo naquela cidade fantasma, ruas e ruas desertas, nenhuma coisa viva no alcance dos olhos, mas ele sentia que não estava só, sentia sobre si olhos desconhecidos que o acompanhavam desde que havia chegado naquele conjunto de concreto e metal.

Ainda tentava entender o que havia acontecido, anos já se passavam desde que o Mundo havia mudado, desde a hecatombe, quando as leis da física deixaram de existir, desde que as formas de energia se esgotaram ou sumiram, desde que os tecnomagos surgiram e mudaram a vida de todos.

Ele havia perdido família e amigos, mas continuava seu percurso, em algum lugar haveria de achar alguns sobreviventes, gente normal que, possivelmente, também estariam brigando para sobreviver nesse mundo insano, aonde a magia se mesclava com o que sobrara da tecnologia. Ele já havia visto e enfrentado seres bizarros, pobres criaturas transformadas em máquinas, os zumbots (mistura de zumbis e robôs), tanto humanoides como dos mais variados animais.

Só sobrevivera graças ao treinamento militar que tivera no fim da adolescência, quando passou como recruta do exército por um período de seis meses em um quartel. Na época ele odiava as ordens dos sargentos, detestava os cabos que agiam como carrascos, mas agora agradecia por ter aprendido com eles a atirar, a se virar em ambientes inóspitos, enfim, aprendido a sobreviver.

Ele aprendeu a carregar consigo o necessário, quanto menos peso levasse mais fácil era escapar, se escondendo em lugares escuros e apertados. Assim, trajava uma camisa de mangas compridas, branca, um colete cheio de bolsos, caqui, uma calça preta de tecido resistente e botas pretas, que chegavam perto dos joelhos. Em uma das botas carregava uma faca de caça, daquelas parecidas com a que o Rambo usava, na cintura trazia duas armas, um revólver calibre .38 e uma pistola .380, as munições e carregadores eram levados nos bolsos do colete. Nesses bolsos ele também levava um canivete e uma lanterna, alguns curativos e medicamentos, coisa para primeiros socorros. Nas mãos carregava um rifle semiautomático .38. Para comer, somente algumas barras de cereais e chocolates, fora isso, quando achava em alguma casa ou mercados e restaurantes, fazia alguma refeição mais substancial, levando consigo o máximo de alimento não perecível que conseguisse.

Ele continuava andando com cuidado pelas ruas daquela cidade, olhando para cada sombra, procurando não fazer barulho, mas o solado de borracha de suas botas parecia ser de metal, aquele local era silencioso como um cemitério, seus passos ecoavam nas paredes dos prédios como uma bateria de escola de samba. Ele continuava com a impressão de ser vigiado.

Quando ele chegou à área central da cidade avistou algumas quadras a frente um parque, ele pensou que seria bom se ele cruzasse aquele caminho, pois se alguém realmente o estivesse seguindo, teria que sair para local aberto, e assim perder o anonimato. Ele acelerou seus passos, quase correndo, para cobrir a distância rapidamente e não dar chances para que o pegassem naquelas ruas cercadas de edifícios altos.

Assim que atravessou os portais de ferro que davam passagem aos passeios largos, cercados de grama e arbustos dos dois lados, ele respirou mais aliviado e reduziu a velocidade, olhando com calma ao redor. Ele tinha se esquecido da marcha do tempo, não se lembrava de qual dia da semana ou mês estava, mas pelo cenário, com o gramado amarelado e as árvores quase sem folhas, se lembrou de que estavam no final do outono e em breve o inverno chegaria. Ele precisava achar um lugar para passar os meses frios. Depois das mudanças, os invernos eram realmente frios, com neve caindo em muitos lugares onde a temperatura média era superior a 25°C o ano todo. Dessa vez ele estaria sozinho, pois neste último ano perdeu seu companheiro de viagem, como ele sentia falta dele, seu fiel cachorro que sucumbiu à idade avançada.

Ele estava quase no meio do parque quando ouviu um barulho metálico assustador, algo que ele nunca tinha ouvido não se parecia com zumbots, era mais metálico, parecia maior e mais ameaçador. Ele olhou para uma área de piqueniques, ao lado de um lago e viu algo que lhe tirou o fôlego, um carro se movia como um inseto, com seis patas metálicas, um inseto de mais de 600 quilos de puro metal, que se dirigia vagarosamente em sua direção. Ele chegou a levantar o rifle e mirar no vidro do para-brisas, mas desistiu de puxar o gatilho, iria desperdiçar uma bala e não faria nem cócegas no monstro mecânico.

Ele olhou ao redor e procurou uma rota de fuga segura, escolhendo seguir pela sua direita, começou a correr, mas isso pareceu despertar de vez o monstro, que acelerou os passos e se pôs a persegui-lo.

Quando estava quase sendo alcançado, ele passou por um par de árvores de troncos grossos e ouviu um barulho de cordas se esticando. Ele não parou, nem quando ouviu um barulho alto de ferro se chocando contra o chão, achou um banco alguns metros a sua frente e se escondeu atrás, somente depois disso olhou de onde vinha o barulho.

Ele se surpreendeu ao ver um velho e dois jovens ao lado do monte de ferro retorcido que era o monstro até alguns minutos atrás, eles não se pareciam nem se trajavam como tecnomagos, logo deveriam ser sobreviventes, além disso, eles haviam o ajudado a sair dessa perseguição.

Os três pareciam examinar o interior do carro, como se procurassem sobreviventes ou alguma coisa que pudessem usar, mas logo desistiram, olharam para ele e andaram em sua direção. O velho se apresentou como Walter, um ex-jogador de rugby, e disse que os jovens eram seus sobrinhos, Wallace e Javier, que haviam sobrevivido à hecatombe, mas perdido os pais, desde então os três sobreviviam naquela cidade, sempre buscando um jeito de destruir as máquinas que circulavam por lá. Ele, por sua vez, contou sua história, sobre sua peregrinação pelas terras desoladas e sua busca por sobreviventes.

O tempo passava e o entardecer já avançava, quando Walter o convidou para irem a seu refúgio, pois à noite outras máquinas e zumbots vagavam pela cidade, atacando e levando prisioneiros para o quartel-general do seu criador.


Nenhum comentário: