quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Tempestade

Ainda era uma e meia da tarde, mas não parecia, a luz caiu vertiginosamente e em questão de minutos tudo ficar mais escuro que a noite. Era esperado, pois a Guarda Costeira havia dado o alerta de tempestade por volta das nove horas, avisando aos pescadores e barqueiros para que eles recolhessem suas embarcações no píer.

As escolas tiveram suas aulas canceladas, os funcionários públicos dispensados, até mesmo os dois supermercados da cidade fecharam suas portas e mandaram todos os empregados para casa. Enquanto ele ia para o farol, perto do meio-dia, parecia estar andando numa cidade fantasma, todos os moradores haviam obedecido aos conselhos de segurança e estavam trancados em casa, aqueles que podiam sair da cidade para lugares mais altos provavelmente fizeram-no, mas todos deveriam estar rezando para que a borrasca fosse menor do que se anunciava.

Aquele farol era antigo, deveria ter mais de quarenta anos, talvez mais, já fora importante, naqueles anos em que a aviação era pouco desenvolvida e as viagens para a Europa eram realizadas de transatlânticos. Ele não entendia a importância do farol, afinal ali não tinha nenhum porto de grande porte, parecia ser um elefante branco naquela comunidade pesqueira. A verdade é que ele não havia se preocupado em conhecer a história do lugar e conhecer os motivos que no passado fizeram alguma autoridade construir aquele farol, talvez tenha sido apenas uma forma de desviar dinheiro, quem sabe houvesse mesmo alguma importância estratégica, mas aquilo era passado. Hoje, para ele, o importante era que o farol lhe garantia sua sobrevivência, era o seu emprego há quase dois anos e ele não iria deixar de assumir seu posto por causa de uma chuva. Ele ficaria lá por vinte e quatro horas, manteria a luz potente do farol ligada a todo custo e depois voltaria para sua folga de setenta e duas horas.

Normalmente o trabalho era relativamente fácil, ele ligava a lâmpada especial por volta de seis e meia ou sete horas, quando o sol descia no horizonte, e desligava ao amanhecer, por volta de cinco e quarenta e cinco do dia seguinte. O restante do tempo era gasto com a manutenção e limpeza da torre, raras vezes ele tinha que proceder a troca da lâmpada, quando esta atingia seu tempo útil de vida, outro trabalho era manter o gerador a diesel em condições de uso. Ele não se lembrava de quando teve que acionar o motor diesel para garantir que a lâmpada continuar ligada, isso acontecia quando o fornecimento de energia elétrica era cortado, mas fazia tempo que isso não acontecia.

Restava-lhe bastante tempo para que ele fizesse algo que gostava muito, ler. Já lera boa parte da obra de Shakespeare, livros mais recentes de bons autores, outros clássicos da literatura. Como ele tinha que ficar acordado a noite toda, para evitar algum incidente com o farol, a cada plantão se munia de dois ou três livros antes de seguir para o trabalho. Pelo menos oito ou nove horas do seu turno eram tranquilas o suficiente para que ele pudesse se sentar e ler.

Sempre que o sono começava a esgota-lo, principalmente no meio da madrugada, ele largava a edição sobre a mesa e fazia uma ronda completa no farol, andava por toda a torre, subindo e descendo as escadas, olhava o pátio e também a sala de iluminação. Toda essa movimentação ajudava a despertar, ele também bebia um café forte e voltava a ler.

Mas isso era rotina, hoje a situação se apresentava diferente.

Os livros ficaram em casa, as atenções ao gerador e à lâmpada estavam redobradas, pois as chances de o fornecimento de eletricidade ser cortado eram grandes. Ele olhou preocupado para as nuvens carregadas e subiu a escadaria em caracol para ligar a lâmpada do farol, depois ele se instalaria na antessala do motor, munido com uma lanterna e um lampião, para se guiar caso tudo ficasse escuro e ele precisasse ligar o gerador.

Ele subiu até a cúpula e olhou pelas vidraças, as gotas começavam a engrossar e se avolumar, a tempestade começava a mostrar sua carranca. Aquela seria uma longa jornada.

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