sábado, 15 de junho de 2013

A tocaia

Ele olhou para fora, através do para-brisas, o vidro estava embaçado por causa de sua respiração, a chuva caia lá fora, piorando a já precária visão da rua que ele tinha.

Fazia meses que o tempo não ficava desse jeito, uma chuva forte, constante e, ao mesmo tempo, tranquila, sem vento, sem relâmpagos, apenas água, em grande quantidade, como se fosse para lavar toda a cidade daquela podridão, daquele lixo que se acumulava.

As pessoas, saindo do trabalho, procuravam se abrigar, abrindo guarda-chuvas, se esgueirando de marquise em marquise, tentando ficarem secas. Graças aos casacos impermeáveis, não era quase possível identificar se os caminhantes eram homens ou mulheres, apenas observando mais atentamente, o tipo de calçado, um ou outro apetrecho que carregavam a tiracolo para diferencia-los. Muitos estavam apressados, queriam chegar logo aos seus carros ou ao ponto de ônibus, para irem, sabe se lá, para suas casas, ou outro lugar onde fossem bem recebidos, quem sabe. Alguns pareciam não ter destino certo, estes acabavam achando um lugar mais ou menos seco, onde se abrigavam da chuva e apenas olhavam o movimento, assim como ele fazia de dentro do carro.

Sim, mas ele não estava ali para desperdiçar tempo, ele estava apenas cumprindo seu ofício, bastava localizar seu alvo e segui-lo, discretamente, anotar seus movimentos, o seu itinerário, se andava só ou acompanhado. Maldito trabalho, investigar pessoas, vasculhar suas vidas, descobrir seus mais bem guardados segredos. Ele não gostava daquilo, mas ainda assim precisava sobreviver e nada mais restava a ele, aquilo era o que melhor ele fazia, ser discreto, seguir pessoas sem ser visto, e ele ainda tinha alguns conhecidos em lugares chaves que o ajudavam, faziam um favor a ele, sempre em troca de outro favor, lógico, a vida sempre foi assim, você recebe alguma coisa cedendo algo como pagamento.

Na caixa de som o solo rodopiante de Dizzy Gilespie soava ao vazio, ele já não prestava mais atenção em nada, procurava seu alvo entre as pessoas que passavam pelo carro, elas continuavam a ir e vir, ele não poderia se dar ao luxo de perder aquela pessoa, isso já havia acontecido noutra noite, o que atrasava o seu trabalho e, consequentemente, seu pagamento e aquele dinheiro tinha que vir logo, ele estava precisando pagar algumas contas logo, senão as coisas ficariam péssimas.

As luzes amarelas dos postes públicos só pioravam a visão através do vidro, se continuasse assim e seu alvo demorasse mais, provavelmente ele teria que sair da segurança de seu carro e se abrigar da chuva sob alguma marquise, não era uma boa ideia, mas pelo menos sua visão seria melhor. Era um dilema, afinal, assim que visse seu objetivo, ele teria que voltar rápido para o carro para não perdê-lo, teria que fazer isso bem discretamente para não perder o véu de invisibilidade que seria primordial para o sucesso de sua investigação. Mas, se ele continuasse no carro, os vidros embaçados começariam a chamar demais a atenção das pessoas, seria um risco um policial aborda-lo, apesar de ele sempre ter um álibi, o risco de seu alvo escapar por seus dedos era grande. E agora, o que fazer?

A chuva caia, as pessoas continuavam a ir e vir apressadas e ele aguardava.

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