Tchu, tchu, tchu...
Ele tinha a impressão que se saísse do vagão e empurrasse o
comboio aquela viagem seria mais rápida, aquele trem parecia ter saído do
início do século passado, tão lento ele se locomovia. Sua tentação era ir até à cabine e perguntar o que o
condutor queria para acelerar aquela viagem. Aquela vagarosidade era irritante,
e ficava pior ainda quando eles começavam a subir um morro.
Ele tinha compromisso em dois dias, numa cidade que não
conhecia, mas sua noiva insistira em se casar junto à família, não só os pais,
que foram à capital quando foi oficializado o noivado, mas todos, avós, tios,
padrinhos, cachorro, gato e papagaio, enfim, todos aqueles apêndices que veem
junto. Disseram para ele que na cidade havia um antigo namorado de
infância dela, e que esse rapaz seria capaz de subornar o padre para
oficializar o casamento dele, caso o ‘noivo da capital’ não chegasse a tempo.
Ele tinha dúvidas sérias se isso era verdade, mas não pagaria para ver. Isso
era outro motivo que aquela lerdeza o irritava.
Quando eles se conheceram, os amigos acharam aquele romance
muito estranho, já que ela não era tão atraente quanto as outras namoradas,
essa beleza mais discreta era compensada pela simpatia e alegria. Depois,
quando souberam que o pai era fazendeiro e tinha uma grande fazenda de
pecuária, ficou aquela troça, que era ‘golpe do baú’, coisa que ele garantia
que não era verdade.
Enquanto ele divagava sobre esse passado, andava pelos
corredores dos vagões, a ansiedade o dominava. Ele não entendia porque ir de
trem, quando de carro seria mais rápido, mas ela havia insistido, não quis
dizer o motivo, apenas queria que fosse dessa forma e ele aquiesceu. Era uma boa
oportunidade para ele observar os passageiros, gente da mais variada etnia e
procedência, era uma confusão de sotaques que ele nunca teria imaginado.
Tchu, tchu, tchu...
O que mais o desesperava era as paradas, em qualquer
cidadezinha, onde havia uma estação, era feita uma parada, mesmo que ninguém
subisse ou descesse. O pior era quando alguém subia, pois lá vinha o
encarregado de verificar as passagens. Se todos comprassem as passagens no
guichê, na estação, seria fácil, mas alguns insistiam em subir e pagar a
passagem no vagão, como se desconfiasse do vendedor, ou sabe se lá por quê. Mas
esses eram o que faziam mais confusão, conferindo o destino, o dinheiro do
pagamento, reclamando que o troco estava errado, um caos.
Aquele trem estava de brincadeira, não andava, a impressão é
que se ele fosse andando chegaria mais rápido. Nisso ele se lembrou da viagem
ao exterior, daqueles trens balas, que cobriam centenas de quilômetros em menos
de uma hora, ah, se aquele trem fosse assim.
Para se distrair, ele tentou rememorar o dia do noivado, o
nervosismo de conhecer os pais da noiva, a preocupação se ele seria ‘aprovado’
e aceito. Qual a decepção ao ver que os dois, apesar do dinheiro, eram
simplórios. O pai fez várias piadinhas grosseiras e machistas, a mãe era
preocupadíssima com a honra da filha, foi difícil falar algo do mesmo nível,
mas ele não queria parecer esnobe, então falou o que achava que os dois
esperariam que ele falasse.
A preocupação fez com que ele ficasse com vontade de ir ao
banheiro, nervosismo? Quem sabe. Novamente ele começou a atravessar os
corredores do vagão, ouvindo a balburdia que os passageiros faziam, foi assim
até chegar ao banheiro, ou melhor, à fila do banheiro. Aquilo se assemelhava a
um desafio maior do que aguentar a lerdeza do trem, mas ele precisava entrar no
banheiro, teria que ter paciência.
Aquela viagem o estava enlouquecendo. Chegou a olhar no
celular o telefone de um amigo que havia se formado em direito, pensou em ligar-lhe,
estava disposto a achar uma brecha na legislação e processar alguém, o
maquinista, o cobrador, a empresa, até mesmo o presidente desta, aquela viagem
estava fazendo-lhe muito mal.
Tchu, tchu, tchu...
(Baseado na música Maria Fumaça de Kleiton e Kledir)
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