Ele seguia sem rumo naquela cidade fantasma, ruas e ruas
desertas, nenhuma coisa viva no alcance dos olhos, mas ele sentia que não
estava só, sentia sobre si olhos desconhecidos que o acompanhavam desde que
havia chegado naquele conjunto de concreto e metal.
Ainda tentava entender o que havia acontecido, anos já se
passavam desde que o Mundo havia mudado, desde a hecatombe, quando as leis da
física deixaram de existir, desde que as formas de energia se esgotaram ou
sumiram, desde que os tecnomagos surgiram e mudaram a vida de todos.
Ele havia perdido família e amigos, mas continuava seu
percurso, em algum lugar haveria de achar alguns sobreviventes, gente normal
que, possivelmente, também estariam brigando para sobreviver nesse mundo
insano, aonde a magia se mesclava com o que sobrara da tecnologia. Ele já havia
visto e enfrentado seres bizarros, pobres criaturas transformadas em máquinas, os
zumbots (mistura de zumbis e robôs), tanto humanoides como dos mais variados
animais.
Só sobrevivera graças ao treinamento militar que tivera no
fim da adolescência, quando passou como recruta do exército por um período de
seis meses em um quartel. Na época ele odiava as ordens dos sargentos,
detestava os cabos que agiam como carrascos, mas agora agradecia por ter
aprendido com eles a atirar, a se virar em ambientes inóspitos, enfim,
aprendido a sobreviver.
Ele aprendeu a carregar consigo o necessário, quanto menos
peso levasse mais fácil era escapar, se escondendo em lugares escuros e
apertados. Assim, trajava uma camisa de mangas compridas, branca, um colete
cheio de bolsos, caqui, uma calça preta de tecido resistente e botas pretas,
que chegavam perto dos joelhos. Em uma das botas carregava uma faca de caça,
daquelas parecidas com a que o Rambo usava, na cintura trazia duas armas, um
revólver calibre .38 e uma pistola .380, as munições e carregadores eram
levados nos bolsos do colete. Nesses bolsos ele também levava um canivete e uma
lanterna, alguns curativos e medicamentos, coisa para primeiros socorros. Nas
mãos carregava um rifle semiautomático .38. Para comer, somente algumas barras
de cereais e chocolates, fora isso, quando achava em alguma casa ou mercados e
restaurantes, fazia alguma refeição mais substancial, levando consigo o máximo
de alimento não perecível que conseguisse.
Ele continuava andando com cuidado pelas ruas daquela
cidade, olhando para cada sombra, procurando não fazer barulho, mas o solado de
borracha de suas botas parecia ser de metal, aquele local era silencioso como
um cemitério, seus passos ecoavam nas paredes dos prédios como uma bateria de
escola de samba. Ele continuava com a impressão de ser vigiado.
Quando ele chegou à área central da cidade avistou algumas
quadras a frente um parque, ele pensou que seria bom se ele cruzasse aquele
caminho, pois se alguém realmente o estivesse seguindo, teria que sair para
local aberto, e assim perder o anonimato. Ele acelerou seus passos, quase
correndo, para cobrir a distância rapidamente e não dar chances para que o
pegassem naquelas ruas cercadas de edifícios altos.
Assim que atravessou os portais de ferro que davam passagem
aos passeios largos, cercados de grama e arbustos dos dois lados, ele respirou
mais aliviado e reduziu a velocidade, olhando com calma ao redor. Ele tinha se
esquecido da marcha do tempo, não se lembrava de qual dia da semana ou mês
estava, mas pelo cenário, com o gramado amarelado e as árvores quase sem
folhas, se lembrou de que estavam no final do outono e em breve o inverno chegaria.
Ele precisava achar um lugar para passar os meses frios. Depois das mudanças,
os invernos eram realmente frios, com neve caindo em muitos lugares onde a
temperatura média era superior a 25°C o ano todo. Dessa vez ele estaria
sozinho, pois neste último ano perdeu seu companheiro de viagem, como ele
sentia falta dele, seu fiel cachorro que sucumbiu à idade avançada.
Ele estava quase no meio do parque quando ouviu um barulho
metálico assustador, algo que ele nunca tinha ouvido não se parecia com
zumbots, era mais metálico, parecia maior e mais ameaçador. Ele olhou para uma
área de piqueniques, ao lado de um lago e viu algo que lhe tirou o fôlego, um
carro se movia como um inseto, com seis patas metálicas, um inseto de mais de
600 quilos de puro metal, que se dirigia vagarosamente em sua direção. Ele
chegou a levantar o rifle e mirar no vidro do para-brisas, mas desistiu de
puxar o gatilho, iria desperdiçar uma bala e não faria nem cócegas no monstro
mecânico.
Ele olhou ao redor e procurou uma rota de fuga segura,
escolhendo seguir pela sua direita, começou a correr, mas isso pareceu
despertar de vez o monstro, que acelerou os passos e se pôs a persegui-lo.
Quando estava quase sendo alcançado, ele passou por um par
de árvores de troncos grossos e ouviu um barulho de cordas se esticando. Ele
não parou, nem quando ouviu um barulho alto de ferro se chocando contra o chão,
achou um banco alguns metros a sua frente e se escondeu atrás, somente depois
disso olhou de onde vinha o barulho.
Ele se surpreendeu ao ver um velho e dois jovens ao lado do
monte de ferro retorcido que era o monstro até alguns minutos atrás, eles não
se pareciam nem se trajavam como tecnomagos, logo deveriam ser sobreviventes,
além disso, eles haviam o ajudado a sair dessa perseguição.
Os três pareciam examinar o interior do carro, como se
procurassem sobreviventes ou alguma coisa que pudessem usar, mas logo
desistiram, olharam para ele e andaram em sua direção. O velho se apresentou
como Walter, um ex-jogador de rugby, e disse que os jovens eram seus sobrinhos,
Wallace e Javier, que haviam sobrevivido à hecatombe, mas perdido os pais,
desde então os três sobreviviam naquela cidade, sempre buscando um jeito de
destruir as máquinas que circulavam por lá. Ele, por sua vez, contou sua
história, sobre sua peregrinação pelas terras desoladas e sua busca por
sobreviventes.
O tempo passava e o entardecer já avançava, quando Walter o
convidou para irem a seu refúgio, pois à noite outras máquinas e zumbots
vagavam pela cidade, atacando e levando prisioneiros para o quartel-general do
seu criador.